sábado, 13 de fevereiro de 2010

Imagine você

Você já se viu andando numa rua movimentada, com gente andando em todas as direções, dezenas de vidas circulando ao seu redor, mas dentro de você a estranheza, dentro dos seus olhos a dúvida que faz suas pernas cambalearem? Tanta gente te deixa meio ébrio, você se movimenta mas não sabe o porquê nem para onde. Você simplesmente vai, segue o rastro dos que passam. De repente alguém bate em você sem querer. Você vira. “Quem foi o desatento que conseguiu trazer meu corpo de volta à rua? Preciso agradecer...”, você pensa. Mas a pessoa não se dá o trabalho de lhe pedir desculpas, nem mesmo lhe percebeu. De volta ao vácuo da indiferença. “O que há com minha visão que fica turva sempre que saio na rua? E o ar, por que me incomoda tanto? De onde vim, que essa atmosfera se apresenta ácida demais?”. Você pensa entre uma esquina e outra, entre um homem e uma mulher, entre um carro e uma bicicleta, entre uma vida e uma morte. Com pouco, sua cabeça começa a doer e você sente seu peito buscar mais ar. O que há de tão hostil na rua? E aquelas crianças jogando futebol na praça, como elas conseguem suportar? Um sorvete talvez ajudasse... Então você atravessa uma pista de fogo e chega aonde tinha de chegar. A cabeça ainda dói, o ar ainda é estranho, as pessoas ainda são estranhas e desinteressantes, o asfalto ainda lhe conta mistérios. Dentro de você está a dúvida, a súplica para mudar, uma bolha na garganta. Você já imaginou chegar em casa depois dessa caminhada e não encontrar um homem que lhe envolva e proteja, ou uma mulher que lhe beije e abrace? Já imaginou não encontrar ninguém? A volta pra casa é ainda mais letal porque você já sabe quais os pensamentos que habitam lá. Agora imagine que, além disso, você necessite manter-se otimista, zen, compreensivo e prestativo com todos ao seu redor, regando flores cujos espinhos fizeram cicatrizes na sua alma, e atentando para não mostrar muito o lado mais parecido com o seu verdadeiro “eu”, pois não há ninguém que lhe ajude. Imagine deitar-se na cama, tarde da noite, e trabalhar para que essas sensações e pensamentos não lhe conduzam e para que todas adormeçam e fiquem quietas no porão da sua alma. Imagine saber que irá acordar.