terça-feira, 20 de abril de 2010

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Ela não queria crescer. Não se sentia preparada para deixar a casa dos pais. Não se sentia segura para trilhar uma profissão. Não havia tido uma infância tranqüila nem uma adolescência leve. Nunca tivera muitos amigos, contava nos dedos aqueles a quem poderia fazer confissões, embora não o fizesse. Ela não estava preparada para amar, sobretudo.
Aos dezesseis estava completamente sem perspectiva. Olhava o horizonte desfocado pelas lágrimas que encharcavam os olhos sempre que pensava na vida. Aceitara para si o clichê de que ao escrever, consolava-se a alma. Fazia-o quando as lágrimas eram inevitáveis.
Aos dezesseis olhava em volta com olhos cansados do vazio que insistiam em perceber. O corpo também já murchara, assim como a vontade de viver, e parecia ser guiado por pernas desconectadas da cabeça. As mãos e os braços demonstravam os longos e tristes anos de tentativas de mudar a si própria. No espelho agora não importavam mais as rugas e o cabelo grisalho.
Imaginara uma vez se aos oitenta anos acharia motivo para a luta de viver. Valeria a pena esperar?
Ela não estava preparada para amar nem ser amada. As bonecas, onde depositou seu amor quando criança, não reagiam a não ser que fossem guiadas por ela. Um dia cansou de comandar e criar amores.
Dentro de si sabia que se resumia a medos e, devido a essa carapaça, era tão difícil atingir seu coração. Ela mesma jamais soube o caminho.
Uma bomba quebrada deixa passar água impura e, a partir daí, o resto do sistema também quebra. O que seria do planeta se as plantas não estivessem sempre renovando os ares?
Talvez por isso ela sentisse as pernas pesadas e visse o corpo desfigurado no espelho. O coração perdeu o vigor sob tantos medos, ela pensava.
Crescer significava encarar a vida, e a vida a assombrava aos seus dezesseis anos. Ela não queria encarar os medos e enfim ter o coração à mostra. Sentia-se sem forças, como se presenciasse o fim da própria vida e não pudesse caminhar por longos percursos.
Amar, ainda, ela não era capaz.
Em tempos de guerra, castrava-se o amor sem remorsos. Abortou-se de si mesma nessa época.

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